domingo, outubro 28, 2007

A fábrica de espartilhos, o berço da aviação e os moinhos

Seria mau para o negócio ter uma fábrica de espartilhos na Porcalhota? O empresário Santos Mattos não pensou que assim fosse e, em 1892, fundou naquela localidade a fábrica de espartilhos a vapor, com loja na Rua do Ouro, em Lisboa. Isso mesmo é comprovado por um prospecto antigo, exibido recentemente na exposição 100 anos-Amadora, na Casa Roque Gameiro. Um folheto mais recente situava na Amadora a fábrica da casa de espartilhos, cintas e soutiens - única "no seu género".A mostra, comissariada por João Castela Cravo, apresentava também a petição apresentada ao rei para que as três localidades da Porcalhota, Amadora e Venteira, da freguesia de Benfica e concelho de Oeiras, passassem a designar-se apenas por Amadora, por se tratar do sítio que "excede os outros em densidade de população, aformosamento" e progresso. Os signatários fundamentam a reclamação com anterior substituição de "malsonantes designações como Punhete, Farinha Podre, Lava-Rabos e outras mais". A estação do caminho-de-ferro só abandonou o desonroso nome em Fevereiro de 1908.Porcalhota terá origem na alcunha dada à filha de Vasco Porcalho, nobre com propriedades na região. Em 1912, a Amadora acolheu um concurso de papagaios que marca o início da aventura aeronáutica. No ano seguinte, segundo resenha de M. Lemos Peixoto (CMA), foi avistado o primeiro avião a cruzar os céus da localidade. Sucederam-se, durante um quarto de século, partidas de "algumas das mais importantes viagens da aviação nacional", nomeadamente à Madeira, Macau, Goa, Guiné, Angola e Timor. O concelho possui como importante vestígio de ocupação do Neolítico a necrópole de Carenque. Um levantamento citado num artigo de João Viegas e Jorge Miranda, na Etnografia da Região Saloia (Instituto de Sintra, 1999), referenciou 61 moinhos na Amadora, entre os séculos XVIII-XX, dos quais dez na Falagueira. L.F.S.

100 anos depois, o último sopro da tradição rural na Porcalhota

A antiga Porcalhota deu lugar, por decreto real de 28 de Outubro de 1907, à Amadora. No futuro da cidade não há lugar à ruralidade
Joaquim Raposo assegura que o novo centro, na Falagueira, não será feito só com habitação, mas também com equipamentos a Manuel Cardeal apoia-se no cajado e olha para a ainda extensa área de pasto entre a Falagueira e a Brandoa. "Tudo acaba", desabafa. Faz hoje 100 anos, um decreto do rei D. Carlos mudou o nome de Porcalhota para Amadora. A cidade está longe da "cidade-jardim" ambicionada pelos seus fundadores. Mas o território onde o pastor sempre viveu pode sofrer uma profunda transformação, se for por diante a criação de uma nova "centralidade" urbana.Diariamente, milhares de pessoas são engolidas pelo metro da Falagueira. Manuel Cardeal, 72 anos, percorre os caminhos vizinhos com o rebanho de uma centena de ovelhas. Num concelho marcado pela densificação urbana, o pastor ocupa as manhãs da reforma a apascentar os animais nos últimos espaços livres do betão. Por quanto tempo, não sabe. Uma "dor numa anca" parece o sinal para assentar. O que não o deixa mais feliz, pois habituou-se à vida ao ar livre, mesmo quando empregado, como "complemento" para criar os filhos."O meu avô cultivava estes campos e dizia que dava mais um hectare de trigo aqui do que cinco hectares em alguns pontos do Alentejo", conta Manuel Cardeal, mirando do alto da encosta para as terras rasgadas pela estrada dos Salgados, que liga a Falageira à Pontinha. Esta zona de grandes propriedades agrícolas abastecia Lisboa. A Quinta do Tivoli, por exemplo, fornecia as unidades hoteleiras com o mesmo nome. Na Quinta do Estado, as instalações pecuárias estão ao abandono e só alguns terrenos são ainda aproveitadosO pastor trabalhou na antiga Fábrica dos Ossos, no alto da Brandoa. Os ossos eram triturados e, transformados em carvão animal, serviam para refinar açúcar. A fábrica fechou e dela restam alguns muros. A vida melhorou com o emprego na Cel Cat, na Venda Nova, que transformava cobre em bruto em fios.Era a época da intensa actividade industrial que levou para a área até à Reboleira unidades de produção de vidro e borracha ou metalomecânica e metalúrgica, como a Sorefame e Cometna. A necessidade de habitações baratas para o operariado impulsionou a construção, legal e clandestina. As enormes instalações fabris encontram-se agora tomadas pela ferrugem e ervas daninhas. Numas quantas funcionam médias empresas. A indústria farmacêutica parece prosperar. Na manhã de sexta-feira, num antigo armazém, meia dúzia de pessoas escutam, numa ampla plateia de cadeiras de plástico vazias, a homilia de um "pastor" no "Templo Sede da Assembléia de Deus do Ministério do Avivamento".Manuel Cardeal recorda o tempo em que a Falagueira "era uma família com 30 moradores". "Já não se cultiva nada. Tudo acaba". O desabafo confirma o fim da tradição rural. As raras excepções encontram-se nas bermas das vias rápidas, como o IC19, ou na encosta da Brandoa, salpicada de barracos agrícolas. As azeitonas secam nas oliveiras. Pela hora do almoço recolhe as ovelhas com a ajuda dos cães. O ti Manuel antecipa a satisfação com o aniversário de uma das netas. No fim-de-semana em que a Amadora também cumpre um século.A melhor água-péNa Rua Elias Garcia, o trânsito intenso avança ao sabor da vontade dos semáforos. A estrada atravessa o Bairro do Bosque, sítio da Porcalhota original. A antiga Vila Martelo, perto do quartel dos bombeiros, permanece de pé com as fachadas arruinadas. Oficinas abandonadas e casas entaipadas coexistem a poucos metros com modernos edifícios. Ironia, ou não, um cartaz camarário proclama "qualidade de vida" alcançada com os jardins criados na cidade. Ao cima da rua, a ribeira da Falagueira é disso testemunho, com o amplo espaço verde no lugar antes ocupado por barracas. O comércio tradicional vai resistindo à concorrência das grandes superfícies. É o caso da taberna e carvoaria a funcionar num edifício térreo. Um papel afixado à porta anuncia "a melhor água pé da Amadora"."Ia levar carvão à Venda Nova em cestos à cabeça, com os filhos pela mão a chorar. Agora vêm cá buscar", conta Rita Madeira, 79 anos. Há meio século trocou a distante Vila Nova de Cerveira pelo namorado que a mandou buscar após montar a taberna. Os clientes são recebidos por uma fila de pipas. A marca B ou T indica a tonalidade e sabor do que levam dentro. Uns carapaus de escabeche numa vitrina convidam a uma "taçinha", como se diz hoje, em vez do "copo de três" de antanho."O negócio já esteve melhor", confessa a comerciante. O vinho tem mais saída. Para trás ficou o tempo em que carvão e petróleo eram a principal energia doméstica. Rita Madeira mostra agrado pela evolução que a Amadora conhece, com os espaços verdes, as escolas e as creches. Só o trânsito a incomoda. Mas não ao ponto de regressar à terra natal e menosprezar a cidade que lhe permitiu dar aos filhos vida diferente da sua: "Vim de lá com a roupa do corpo. Que saudades é que deixei lá?"

Nova "centralidade" da Reboleira à Falagueira

Oposição critica falta de uma política cultural, que se resume ao salão de banda desenhada
O socialista Joaquim Raposo admite que a Amadora ainda "está longe" do conceito de cidade-jardim que os seus fundadores ambicionavam, mas considera que muito tem sido feito para mudar a face do centro urbano. O presidente da câmara aposta, no entanto, numa "nova centralidade" para a cidade, entre a antiga zona industrial e a Quinta do Estado.Os planos estão a cargo dos arquitectos Manuel Salgado, Norman Foster e Gonçalo Byrne. "O novo centro da Amadora não se faz só com habitação, faz-se naturalmente com alguma indústria, escritórios e equipamentos", afirma Raposo, defendendo que, nos novos empreendimentos, a componente habitacional não ultrapasse metade da ocupação total. Na Quinta do Estado, junto ao metro da Falagueira, que vai ser prolongado até à estação ferroviária da Reboleira, o plano de pormenor deve prever uma zona verde e pequenos bairros, para além da câmara e do tribunal. O metro ligeiro de superfície, de inciativa público-privada, ligará o metro aos casais da Mina e de São Brás."A Amadora tem perdido todas as suas importantes unidades de produção", salienta, por seu lado, o vereador João Bernardino (CDU), criticando que se "tem acentuado a característica de um concelho dormitório". O primeiro município criado após o 25 de Abril - em 1979 - foi governado pelos comunistas até 1997, ano em que o PS conquistou a câmara. Bernardino reconhece a melhoria de algumas infra-estruturas, mas o elevado nível de desemprego, o atraso nos realojamentos e a ausência de requalificação urbana levam a "um aumento da exclusão social". O vereador da CDU elege como uma prioridade o reinvestimento numa política cultural, com a recuperação de espaços fechados, como o cinema D. João V (Damaia)."Fazer bairros só para realojamento é um erro que não cometo", responde Joaquim Raposo, que devolve à CDU as críticas sobre a falta de investimento para acabar com as barracas. O concelho precisa ainda de 1400 fogos para realojar famílias de bairros como o 6 de Maio, Santa Filomena e Estrela de África. Isto sem contar com os 1100 fogos (mais de seis mil pessoas) só para a requalificação da Cova da Moura. A autarquia vai gastar 45 milhões de euros durante os sete anos necessários para recuperar este bairro da Damaia, estimando-se que o Estado gaste o dobro.Outro desafio para o autarca é a requalificação urbana, através de incentivos fiscais aos proprietários que recuperem os imóveis degradados e da criação de um fundo para que os promotores de novos empreendimentos contribuam para o restauro das habitações envolventes. A Brandoa, que foi o maior bairro clandestino da Europa, possui quase todos os planos de quarteirão aprovados e recebe no Fórum Luís de Camões o Festival Internacional de Banda Desenhada, o principal evento cultural do município e do género no país. L.F.S.

In "Público" 28.10.2007

sábado, outubro 27, 2007

Metro ligeiro com terminal na Reboleira

O metro ligeiro de superfície não poluente que as autarquias da Amadora e Odivelas estão a estudar para ligar os dois concelhos vai ter o futuro interface de transportes públicos da Reboleira como estação terminal. Fonte da Câmara da Amadora disse ao DN que o objectivo é "aproveitar uma parte dos terrenos das instalações da Bombardier para aí criar as infra-estruturas necessárias ao avanço do projecto", incluindo um parque de estacionamento de grandes dimensões, que servirá também a estação da CP da Reboleira e a futura estação de metropolitano de Amadora Oeste, cujo concurso encontra-se em fase de consulta pública.Partindo da Reboleira, as carruagens do eléctrico ligeiro seguirão, depois, em direcção à Falagueira rumo ao Casal de São Brás, subindo a estrada da Serra da Mira. Atravessarão, de seguida, a rotunda com o vulcão de água que ornamenta a Praça Conselho da Europa, passarão junto à urbanização do Casal da Boba, virarão à direita para circular debaixo do túnel que permite o acesso ao Alto da Brandoa e ao Monte da Galega e descerão em direcção ao centro comercial Dolce Vita Tejo, continuando depois até Odivelas.Apesar das ruas da Amadora não serem largas, o presidente do município garante que as condições morfológicas da cidade não constituem um impeditivo à passagem do metro. "Há espaço para avançarmos com o projecto, até porque este sistema de transporte terá prioridade em relação aos veículos, como acontece nas ruas da Europa que já têm estas vias. Sempre que for necessário, corta-se o trânsito para o eléctrico passar", diz Joaquim Raposo.Além das autarquias de Amadora e de Odivelas, estão envolvidos no projecto promotores privados dos dois concelhos, com interesses específicos no avanço desta nova linha. A administração do Dolce Vita Tejo, que aquando da apresentação pública do projecto anunciou que este teria uma estação de metropolitano ligeiro que serviria os dois concelhos, está interessada a atrair consumidores para os seus estabelecimentos. Os promotores imobiliários da urbanização da Cometna (Falagueira), também pretendem ver melhorados os transportes na zona.A ligação de São Brás ao metro e ao comboio na Reboleira facilitará ainda a vida às milhares de pessoas que já residem na freguesia e às que são esperadas na nova urbanização que está a ser construída no Casal de Vila Chã, a poucas centenas de metros. "O traçado que propusemos serve a população dos dois concelhos a norte", sublinha Joaquim Raposo.Apesar de a abertura do Dolce Vita Tejo - o principal impulsionador do projecto - estar prevista para o final do próximo ano, o novo metro não estará concluído a tempo da inauguração. Neste momento, além do estudo da solução técnica que será adoptada e do tipo de carruagens que serão adquiridas, está a ser elaborado o traçado definitivo da linha. A análise do custo de construção e da viabilidade económica do projecto também ainda não foi concluída. O presidente da Amadora recusa-se a avançar montantes. Diz que a maior parte dos "alguns milhões" necessários será suportada por "financiamento essencialmente privado". Segundo o autarca, a Metro de Madrid e a Caja Madrid mostraram interesse em investir no projecto. Nos próximos meses, deverão ser agendadas reuniões com responsáveis do Governo no sentido de "garantir algum apoio público" para a obra.
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