sexta-feira, setembro 08, 2006

Origem de lugares da Amadora remontam à era medieval

REBOLO, PORCALHO E HOSPITALÁRIOS

Os lugares que deram origem à designação comum de Amadora existiam já na era medieval. É provável que o lugar da Amadora também já existisse nessa época. No século XVIII pertencia à paróquia de Benfica e há 90 anos, depois de integrar três freguesias e quatro concelhos, alcançou a identidade administrativa. Finalmente, há 27 anos tornou-se concelho.
A origem de alguns lugares da Amadora remontam à era medieval. A conquista de Lisboa aos mouros no século XII e a do Algarve já no século XIII é prosseguida pela ocupação do território. Por doação régia, a fidalguia que combateu os muçulmanos recebe quintas e casais que povoam. É o caso do fidalgo Vasco Martins Rebolo, a quem foi doado em meados do século XIII um casal na Falagueira, de acordo com o historiador local José Joaquim Mendes Hormigo, citado no sítio da Internet da Escola Básica Vasco Martins Rebolo1. O fidalgo da Ordem de Santiago era sobrinho de Pedro Julião, mais conhecido por Pedro Hispano Portucalense, eminente filósofo, matemático e médico português, que seria Papa com o nome de João XXI. Provavelmente por idênticas razões às de Rebolo, Vasco Porcalho, era no século XIV proprietário de terrenos na Porcalhota, posse a que se refere o arqueólogo Francisco Dornelas 3. Um outro registo dessa época (século XIII) reporta-se à granja da Ordem Militar do Hospital, a que se refere o historiador local João Castela Cravo 2. Também José Joaquim Mendes Hormigo, entrevistado pelo Notícias da Amadora, alude a um casal em S. Brás, que foi pertença da Ordem do Hospital e depois da Ordem de Malta 4.A Ordem Militar do Hospital, também conhecida por Hospitalários ou S. João de Jerusalém, foi fundada no século XI, na “Terra Santa”, sendo apoiada por Teresa de Leão (mãe de Afonso Henriques) e tendo-lhe sido outorgados carta de couto e privilégios pelo primeiro rei de Portugal, segundo Rui de Azevedo 5. A Ordem Militar do Hospital, cujo superior era designado pelo nome de prior do Crato desde o reinado de Afonso IV (1325-1357), passou a designar-se Ordem de Malta, a partir de 1530. Os bens desta ordem foram transferidos em 1789 para a chamada Casa do Infantado. Como o património da Ordem Militar do Hospital passou para a Ordem de Malta, é de presumir que o casal que à primeira pertencia em S. Brás (na designação que lhe é dada por Hormigo) seja o mesmo que a Câmara Municipal da Amadora designa por casa rural da Ordem de Malta e que se situa no lugar então conhecido por Falagueira de Cima. A ser confirmada a hipótese, a existência deste património arquitectónico remonta ao século XIII, três séculos mais antiga do que a data que lhe é atribuída pela Câmara Municipal da Amadora, que a está a recuperar com o fim de aí instalar o Museu Municipal de Arqueologia. Tudo indica que a Falagueira seja o ou um dos lugares mais antigos do actual território do município da Amadora. Vasco Martins Rebolo recebeu no século XIII um casal no lugar então chamado Falagueira. E foi esse fidalgo, cavaleiro da Ordem de Santiago e alvasil 6 na câmara de Lisboa, que deu origem ao topónimo Reboleira. António dos Santos Coelho descreve, num legado memorialista 7 publicado no Notícias da Amadora, que sem sair da Estrada Nacional, na Rua Elias Garcia, «quase ao centro da Porcalhota, fica à esquerda o caminho ou Travessa da Reboleira». Cem metros à frente encontra-se um moinho, «que dantes se chamava o moinho Fagueiro», que encimava o monte, em cuja encosta virada a sul fica a Reboleira. O nome do lugar poderá ter sido formado ainda em vida de Vasco Martins Rebolo, que faleceu em 1299. Mas, conforme revela Hormigo, a existência da Reboleira está documentada numa escritura de concessão de foro, datada de 1391.
PORCALHOTA E AMADORA
A Porcalhota, topónimo que a tradição oral atribui ao apelido de Vasco Porcalho, deverá remontar ao século XIV, caso o fidalgo a que se refere Francisco Dornelas seja o comendador-mor da Ordem de Avis. Embora não haja documentação conhecida da ligação deste Porcalho à Porcalhota, ele foi um dos protagonistas da crise de 1383-1385. A sua ligação ao lugar só pode ter ocorrido antes desta última data e as suas propriedades estendiam-se até ao sopé da Serra de S. Marco. Partidário de Castela, Vasco Porcalho fugiu para Cáceres após a derrota dos castelhanos na batalha de Aljubarrota. Se era casado em Portugal, aqui teria deixado mulher e a filha, a quem a tradição atribui a origem do topónimo. Todavia, não há registo conhecido de tal facto na base de dados genealógicos Genea Portugal 8. Os únicos registos sobre a família ou famílias Porcalho reportam-se a datas posteriores. Mas o nome do comendador-mor da Ordem de Avis surge em diversos sítios da Internet sobre genealogia, desde Espanha a Cuba. Em Cáceres fundou casa da sua linhagem, «com a opulência que as suas riquezas o permitiam» 9. O português Vasco Porcalho casou com Beatriz Moran, de quem teve um descendente: Gonzalo Porcallo. Se Porcalho debandou para Cáceres, houve quem viesse da Galiza para se instalar em Portugal. É o caso da família Mexia, referenciada na Genea Portugal, que se radicou no Alentejo antes do século XVII. O apelido Galvão deve pertencer ao ramo português da família. Embora a casa mais antiga dos Mexias se encontre em Campo Maior, a família Galvão Mexia teve residência no Campo Grande, em Lisboa, no Palácio Pimenta, actual Museu da Cidade, construído na primeira metade do século XVIII. António dos Santos Coelho alude na sua obra memorialista que a propriedade mais importante da Porcalhota era o palácio do «titular Galvão». Casa com brazão e que tinha pomar, horta e bosque. Era a Quinta do Bosque que, com um quilómetro de extensão, se estendia até ao Alto do Maduro. Hormigo diz que foi construída no século XVIII e que era pertença da família Galvão Mexia. No sítio Internet da Exposição 2000 de Hanover, a página dos alunos do Agrupamento de Escolas de Alfornelos atribui ao comendador João Galvão Mexia de Sousa Teles e Albuquerque a titularidade da Quinta do Bosque. Também data do século XVIII a Casa do Infantado, construída nos terrenos da então Quinta Nova. O edifício, em elevado estado de degradação, encontra-se na lista do património imóvel em vias de classificação no concelho da Amadora, mas está à venda, segundo Jorge Vila Nova 10. A casa «teve particular importância como apoio logístico durante a construção do Palácio Convento de Mafra». Dos lugares da Falagueira, Reboleira e Porcalhota, em tempos mais recentes, o último deles era o mais importante, como o refere António dos Santos Coelho. Era «aquela onde tudo era melhor do que nas suas congéneres». As casas eram mais elegantes e apalaçadas, ali foram instaladas as primeiras escolas primárias e a farmácia, havia comércio primitivo, onde pontuavam as tabernas, «algumas com fama de cozinharem o saboroso coelho à caçador e outras petisqueiras». Esse facto deve ter determinado a atribuição do nome da Porcalhota à estação de comboios, apesar da Amadora, segundo António dos Santos Coelho, ser um lugarejo tão antigo como os outros. Primeiro chegou à região o Larmanjat, em 1873. Face ao fracasso deste meio de transporte de carril único, a Casa Real mandou construir a linha de caminho de ferro, inaugurada em 1887. O topónimo Amadora é devido à quinta com o mesmo nome, também conhecida, segundo Hormigo, por Quinta de Santo António ou dos Padres. O lugar da Amadora — tal como os de Alfornelos, Alfragide, Benfica, Boavista, Borel, Calhão, Calhariz, Carenque, Cruz da Pedra, Cruzes, Damaia, Falagueira, Monte Coxe, Montijo, Neudel, Outeiro, Porcalhota e Venteira — pertencia à Paróquia de Benfica, segundo descrição do cura João da Matta, em 1758 11. A Porcalhota é referenciada na obra Os Maias, de Eça de Queirós. No livro publicado em 1888, o escritor coloca Carlos da Maia e o maestro Cruges num carro puxado por parelha baia, em direcção a Sintra. Vencidas as portas de Benfica, o maestro declarou-se «morto de fome». Segundo escreveu Eça de Queirós, «Felizmente estavam chegando à Porcalhota» e, não fosse ainda tão cedo, «o seu vivo desejo seria comer o famoso coelho guisado». Se a importância económica e social conferiu direito a que a Porcalhota designasse a estação de caminho de ferro, apesar de se encontrar distante do lugar, a zombaria a que o nome se prestava e o desenvolvimento social dos outros lugares deram origem a uma petição dirigida ao rei. A burguesia nascente pediu que o nome da estação fosse substituído pelo da Amadora. Por decreto de 28 de Outubro de 1907 a povoação constituída pelos lugares da Porcalhota, Amadora e Venteira passou a ter a designação comum de Amadora.
PARTIDÁRIOS DE CASTELA
Os lugares da Amadora têm ainda uma história por conhecer e fazer. O acervo documental encontra-se disperso como consequência, designadamente, da falta de autonomia administrativa. A Amadora, na configuração que lhe foi conferida em 1907, só se tornou freguesia em 17 de Abril de 1916, seis anos após a implantação da República, integrada no concelho de Oeiras. Antes disso, como escreveu Martinho Simões 12, pertenceu sucessivamente à freguesia de Benfica (concelho de Belém), freguesia de Benfica (concelho de Oeiras), freguesia de Belas (concelho de Sintra) e freguesia de Carnaxide (concelho de Oeiras). Em data anterior à integração no concelho de Belém, em 1852, os lugares da actual Amadora faziam parte da freguesia de Benfica do termo da cidade de Lisboa, a freguesia de Nossa Senhora do Amparo de Benfica (concelho de Lisboa) 11. Daí que toda a documentação susceptível de conformar a sua história se encontre distribuída pelas diferentes freguesias e concelhos, diversas conservatórias e várias paróquias. A investigação e pesquisa que for feita em prol da historiografia local permitirão revelar a sua identidade. Servirá para confirmar ou infirmar, nomeadamente, os episódios relativos aos partidários de Castela, quer na crise 1383-1385 quer na dinastia filipina. Permitirá esclarecer se o Vasco Porcalho, que a tradição oral considera que deu origem ao topónimo Porcalhota, era o mesmo a que se refere Fernão Lopes na Crónica de D. João I. Esse Porcalho partidário de João I de Castela e que traiu a confiança em que nele depositou por duas o Mestre de Avis, João I de Portugal, é o mesmo a que se refere Camilo Castelo Branco no seu livro A Queda de um Anjo, publicado em 1865. O brasão de armas de Vasco Porcalho, na casa fundada em Cáceres, era constituído por um campo de prata, um leão de cor natural rampante e rematado a ouro, com uma cadeia deste metal justa ao corpo. O seu filho Gonzalo Porcallo foi vassalo dos reis João II e Henrique IV de Castela e o seu trineto, o capitão Vasco Porcallo de Figueroa, serviu em Espanha e Itália e participou na conquista e colonização da ilha de Cuba, onde cometeu as maiores barbaridades contra os índios. Conhecer a história da Amadora permitiria também saber quem era o proprietário da Quinta Nova. Os seus terrenos foram confiscados após a restauração de 1640, o que aconteceu a todos os traidores que enfileiraram no partido de Castela. Nesses terrenos confiscados da Quinta Nova foi erguida no século XVIII o palácio conhecido por Casa do Infantado. Foi João IV (1640-1656) que por alvará instituiu a figura de Casa do Infantado, para a posse da qual passaram todos os bens e propriedades confiscados. Os quais eram posteriormente doados aos filhos segundos dos monarcas. Conhecer essa história permitiria também saber qual foi o infante que obteve por doação a Casa do Infantado da Amadora, que ainda hoje se ergue na Rua Elias Garcia, frente aos Bombeiros da Amadora. Há ainda um imenso património comum para desvendar. Uma herança que sem dúvida enriquece a cultura local.
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